quinta-feira, dezembro 25

Consoada

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Chegámos a ser mais de vinte. Dez à mesa grande, perto da lareira, os mais novos em mesas redondas na outra ponta da cozinha. Nada de árvores de Natal, que nunca as houve por estas bandas. Nada de penduricalhos, enfeites, bolinhas coloridas,nem sequer um presépio. Esse está na igreja e é lá que pertence.
Uma simplicidade assim notam-na os que vêm de fora e têm hábitos de luxo, mas só antes de se darem conta de que a Consoada será das que lhes deixarão memória funda.
Pela quantidade e o tamanho, as travessas de bacalhau, de polvo, dos ovos a decorar as batatas cozidas, das couves e grelos, já os surpreenderiam. Isso tem de facto, e apenas, a modesta função de entrada: é para dar um jeitinho ao estômago, acalmar o apetite do que segue.
E o que segue é pantagruélico. Entre rabanadas, leite-creme, pão-de-ló e bolo-rei, arroz-doce e aletria, milhos, tortas disto e daquilo, bolachas, bomboms, vinho fino, licor, uísquezito, para um regimento não daria, mas se fosse um batalhão sobrava.
Ontem éramos seis. Dentro das proporções estava a mesa posta com a fartura de sempre, mas se a disposição era boa, júbilo não sentíamos, antes melancolia.
Bem contados, lembrou um, estavam ali quatrocentos e dezassete anos de vida. Sorrimos o sorriso da circunstância, mas esse logo se nos foi quando o mais idoso entre nós se sentiu mal.
Levámo-lo para a cama. Sossegou-nos ele que aquilo era coisa de nada, um enjoo, logo passaria, fôssemos comer. Mas nem o comer nos soube, nem o fizemos em descanso, e a cada visita víamo-lo piorar.
Correu-se a outra aldeia a buscar médica amiga. Entretanto tinha-lhe dado um ataque e perdido a consciência. Veio a ambulância do INEM e nela o levaram para o hospital.
No povoado ninguém deu conta do acontecido. O que ainda há de gente estava em redor da grande fogueira que se faz para aquecer o Menino.