quinta-feira, janeiro 22

As portas de Atget

Ficar de cama uns dias tem as vantagens que todos conhecemos: ir preguiçosamente passeando pelos canais da TV – a minha antena oferece mais de trezentos, até do Alaska e da Mongólia – andar pela blogosfera, ler livros que há muito esperavam vez.

Tem também alguns contras. Assim estava eu a seguir um programa sobre Eugène Atget (1857-1927), o fotógrafo francês, quando entre os vários peritos surgiu no ecrã uma senhora de meia idade, olhar severo, dedo indicador para cima e para baixo a sublinhar agitadamente a autoridade dos seus dizeres.

A uma série de fotografias de cenas de rua, seguiu-se outra apenas de portas. E a senhora, que por momentos se eclipsara, reapareceu. Ainda mais competente e autoritária.

“Atget – pontificou ela – olhava para as ruas de Paris do mesmo modo e com o mesmo espírito com que, através da lupa, o entomologista examina um insecto!”


Eu a perguntar-me se o calor que em mim aumentava seria da febre.


“As portas! Só um génio! O espectador devia atentar nas portas! Ninguém, antes ou depois de Eugène Atget, tinha fotografado portas com igual e tão sobrehumana intensidade”.


Engoli o comentário e desliguei a televisão.