segunda-feira, abril 5

Sina


Porque tinha a leitura em atraso, nestes dias de Páscoa juntei à indigestão das comidas uma sobredose de notícias e críticas literárias. Culpa minha.

Passada a admiração que em rapaz sentia por tudo o que era autoridade literária, com o correr dos anos deixei que crescesse em mim um debilitante sentimento de inferioridade. É que não tenho saber para me exprimir no tom e naquele vocabulário com que o verdadeiro escritor se distingue do escriba.

Desde a passada Sexta-Feira Santa até ontem há noite atormentou-me, pois, a inveja de ser incapaz de referir coisas como "a imaterialidade dos sentimentos", "a disposição encantatória" ou falar do "caminho morno da conjugalidade e da reprodução". Desconheço "universos fecundíssimos", nunca me calhou dar com "o contraponto de informações icónicas e textuais", tive de fazer uma longa pausa para destrinçar – não consegui – o significado do que seja "este mosaico informativo e formativo, às vezes deformativo também, pois a anamorfose pode ser um valor literário e o kitsch não é despiciendo..."

Mal acordado, sofrendo da ressaca causada por essas leituras, fui-me à procura de uma imagem que ilustrasse o meu aborrecimento. Não havia, mas por acaso dei com esta dama que, como eu, parece enfastiada com a sua sina.