sexta-feira, janeiro 28

Diaghilev

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"No dia 29 de Agosto de 1929 largava uma gôndola do Grand Hotel des Bains, no Lido, em direcção à pequena ilha San Michele,  que desde o início do século XIX era o cemitério oficial da cidade de Veneza. O corpo na gôndola, que ia ser enterrado na parte reservada aos grego-ortodoxos, era o de Sergei Pavlovitch Diaghilev, um dos mais influentes pioneiros da Arte Moderna no século XX. Diaghilev tinha-se mantido activo na Europa Ocidental e Central durante vinte e três anos, conseguindo, nesse curto espaço de tempo, transformar o mundo da Dança, do Teatro, da Música e das Artes Plásticas de um modo sem precedente, e até hoje inigualado.
Na Rússia, a partir de 1896, desenvolvera uma actividade de crítico, organizador de exposições, editor e historiador da Arte. Pôs fim à estagnação de que a Arte na Rússia há anos sofria, defendeu na sua revista e em várias exposições o Simbolismo internacional, o Jugendstil , o Arts and Crafts Movement, o Neo-Nacionalismo russo, chamou a atenção para os aspectos esquecidos do passado artístico da Rússia. Criou na Europa uma companhia de Bailado, financiada particularmente, Ballets Russes,a qual actuaria nas mais famosas salas europeias e americanas, permanecendo ao longo de duas décadas a mais importante companhia de Dança do mundo.
Durante os primeiros anos de existência da sua companhia, tirando proveito da popularidade então corrente do exotismo eslavo e oriental, Diaghilev alcançou inacreditável êxito. Todavia, um pouco antes da Grande Guerra, começou a transformar Ballets Russes numa plataforma e laboratório para a vanguarda, chamando a si artistas como Picasso, Cocteau, Derain, Braque e Matisse, os futuristas, os cubistas e os surrealistas, e vanguardista russos como Larionov, Gontsharova e Naum Gabo.
Para tal correu enormes riscos pessoais e financeiros, suportando ainda a enorme pressão que sobre ele exerciam os seus íntimos. Mas o apoio de Ballets Russes foi ímpar para o prestígio e a divulgação da vanguarda artística europeia.
Tudo isso conseguiu Diaghilev sem possuir uma organização, nos primeiros dez anos mesmo sem uma sede, e sem garantias de subsídio. Vagabundeava pelo mundo com um lacaio e alguma bagagem, hospedando-se nos melhores hotéis, esquecendo por vezes de pagar a conta. Chamava a si a responsabilidade final da programação, dos contratos, da publicidade, do casting, mas sobretudo a parte criativa das produções, em muitas das quais se acha presente a  influência do seu excepcional sentido artístico. Sofria em permanência de grandes problemas financeiros, achou-se em mais de uma ocasião à beira do abismo e, pelo menos uma vez, não evitou a queda. Mesmo assim era recebido pelos reis, pelo mais nobres dos aristocratas e pelos industriais mais poderosos."

Sjeng Scheijen (1972), doutorado pela Universidade de Leiden, escreveu uma biografia de Diaghilev, publicada em Neerlandês em 2009 com o título Sergej Diaghilev, een leven voor de kunst (Sergei Diaghilev, uma vida dedicada à Arte). O texto acima é a tradução da primeira página.
A tradução inglesa, Diaghilev, a life - Oxford University Press, saiu nesse mesmo ano e  The New Yorker consagrou-lhe cinco páginas de encómios; The Guardian chamou-lhe um triunfo; The Sunday Times escolheu-o como uma das "The Best Biographies of 2009".
A edição holandesa são 638 páginas que acabei de ler ontem com um sentimento de pasmo. Se se interessa por Arte, Dança, Teatro, aqueles e outros grandes nomes da Pintura, o ambiente artístico, mundano e extraordinariamente gay dos começos do século XX, não deixe passar a oportunidade de ler esta obra excepcional.