quinta-feira, fevereiro 3

O lenço


Ainda há quem se assoe a lenços de pano, o que neste tempo ora tem certo chique, ora desperta uma ponta de repugnância, sobretudo se se faz do acto um ritual. É o caso dele. Está a conversar e de repente interrompe-se, funga, pigarreia, retira do bolso das calças o lenço cuidadosamente dobrado. Desdobra-o em silêncio com vagares de mágico, segura-o, cobre com ele a mão esquerda.
Com tanta cerimónia quase se espera que dali voe pomba ou comece a sair um baralho de cartas, mas finalmente assoa-se, verifica atento o ranho, dobra o lenço com o mesmo cuidado e igual lentidão, repõe-no no bolso, sorri, volta à  conversa com o ar ausente de quem esteve em hipnose. Às vezes também escarra.
Em tempos distantes, aqui em Amsterdam, isto seria visto como uma inconveniência ou, na melhor das hipóteses, comportamento de excêntrico. Hoje em dia, porém, na cidade mais multicultural do mundo, com gente de 178 nacionalidades, tanto os que nela nasceram como os que vieram de longe escarram no chão com um à-vontade africano. Dois ou três sujeitos a mijar contra uma porta não causam reparo. Ver uma daquelas holandesas jovens e bonitonas cuspir ou escarrar entre duas baforadas do cigarro, deixou de surpreender.
Os conservadores deitam a culpa aos maus costumes da estrangeirada. Outros dizem que é da televisão e do futebol.