domingo, julho 31

quinta-feira, julho 28

À quinta-feira é SÁBADO

Está na Sábado, está anunciado no blogue de Eduarda Pitta, está no blogue da Quetzal... Clique, se quiser ler.

quarta-feira, julho 27

Corno e contente

Uma garrafa de Ouzo, a recordação disto e daquilo, o conhecido sentimento de como o tempo passa e tudo muda, antes de dar conta põe-se a gente a efabular.
"Corno e contente" era expressão que punha ferrete naquele que, por razões suas, aceitava a infidelidade da cara-metade. Sou desse tempo. Mas como disse atrás as coisas mudam, e muito. Apareceu a pílula, vieram outros costumes, outras moralidades, outras liberdades, maiores licenças, desejos de novidade, experiência, mudança, Deus sabe que mais.
Voltaram de um mês de férias em Creta e, para ajudar a conversa, trouxe ele uma garrafa de Ouzo. Desagrada-me o sabor, mas tenho feito sacrifícios maiores, lá fomos bebendo, ele a contar como se tinham divertido, a contar do sol, e das praias, e dos restaurantes, do souvlaki, se eu por acaso já tinha comido dolmadakia, e assim por diante, até que chegámos ao fim do Ouzo e propus continuarmos com um tinto australiano que vale mais que os seis euros que custa.
A encher um vazio na conversa perguntei-lhe se a Regina estava bem, se também tinha gozado as férias, ao mesmo tempo a visualizar-lhe involuntariamente as formas e a perguntar-me se…
Mas já ele informava que sim, tanto que resolvera ficar mais umas semanas. Porque, eu com certeza sabia, em nova tinha vivido em Creta, os dois filhos eram do grego com quem acasalara e todos os anos visitavam. Davam-se muito bem, havia muita harmonia, compreensão de parte a parte.
Não sei o que a iluminou, mas nesse instante vi a expressão como que projectada em maiúsculas num ecrã. Depois achei feio deixar-me arrastar pela ideia. Corno e contente? Não. São os tempos. Eu é que vivo noutros que há muito passaram.

segunda-feira, julho 25

Fados

Chamaram-lhe amor, mas foi apenas sexo, uma graça do Senhor, milagre que durou anos e eles, abismados, se perguntariam depois porque tinha acontecido.
Do primeiro momento guardavam a lembrança: tinham ido com um grupo a uma casa de fados, ambos os únicos estrangeiros, estranhando o ambiente, a melancolia da música, a estridência das vozes, desconcertados com os arrepios que sentiam, incapazes de destrinçar o que era paixão verdadeira do que era espectáculo.
Os braços tocaram-se ao acaso de pegar nos copos. Sorriram. Ele sussurrou qualquer coisa que se perdeu no ruído do aplauso, ela julgou responder dizendo que sim, também estava a gostar, achava impressionante.
Imóvel, tensa, quando ele lhe segurou o ombro; depois, um momento, os dedos muito leves a deslizar na nuca, surpresa ao dar-se conta que o braço a deixava.
A luz voltou a diminuir. Recordam que demorou horas, saíram para o hotel num estado hipnótico, silenciosos, de mãos dadas. Eles que só desde a tarde se conheciam.
Não houve palavras, hesitações, surpresa ou fingimento: ele abriu a porta do quarto e ela entrou.

domingo, julho 24

Catedral


Deve ser do tempo. Com Julho a findar, e aqui, em vez de sol, chuva que não pára e frio como se fosse inverno, grande vontade me dá de ouvir Ana Vidovic.
E juntar-lhe Paco de Lucía:

sexta-feira, julho 22

Masturbação


Como não aprendi ofício nem estudei ciência sofro de um complexo de inutilidade. Pergunto-me que é isto das Letras onde me meti, a importância que lhe dão, as vaidades que causa, as esperanças nado-mortas que a tantos afligem.
O escrever de romances, novelas, colunas e contos tornou-se um alinhavar de palavras, algumas vezes com sentido, no geral sem jeito nem nexo, abundante em dislates. Os escreventes – escritor é mester obsoleto e cansativo – empurram-se, gritam, esbracejam, redigem em minúsculas e sem pontuação, a mostrar como são diferentes, geniais e vanguarda. Produzem, produzem, pouco importa o quê.
Há dias, com o intuito de que esqueça a nostalgia e aprenda em que mundo ando, meteram-me em mãos um romance – holandês, setecentas páginas, poucos pontos, raras vírgulas – que começa pela demorada violação de uma bailarina alemã por um anão russo, seguindo-se umas sessões de canibalismo,  o detalhe de várias torturas numa cadeia sérvia, uma fuga em batíscafo, e mais cenas assim.
Na página oitenta e sete parei. A bailarina está a recuperar em Phuket, espiada por um chinês que a vendará como escrava a um chefe Taliban.
Cinquenta mil o compraram já. O comércio afere pelo volume, como é seu dever, e o volume está na massa. A  massa dos semi-analfabetos que procuram na leitura o complemento da masturbação.

quarta-feira, julho 20

Perfume


Merecidos e imerecidos, cumprimentos nunca me faltaram. Sobretudo estes últimos é agradável recebê-los, pois servem de contrapeso aos outros e ajudam a pôr o total na boa  perspectiva. Porque, sejamos francos, tirante a pequena e momentânea satisfação da vaidadezinha, que vale ou garante um cumprimento?
Continuarei incapaz de renovar o estilo da minha prosa, que alguns qualificam de antiquado; as ideias que tenho permanecerão confusas; o esforço que o escrever me causa não diminuirá; a incerteza e a inquietude vêm-me de nascença.
Sabem bem os cumprimentos, claro, seria doce recebê-los diariamente, muitos e logo de manhã cedo. Então sim, então talvez funcionassem como o shot de heroína de que o drogado precisa para esquecer os fantasmas que o afligem.
Mas a realidade é prosaica e impiedosa, o dia-a-dia cheio de repetições, os cumprimentos voláteis como perfume.

terça-feira, julho 19

Poeta


É poeta, e mesmo em conversa não resiste a declamar. Agita os braços, carrega as feições, dá punhadas no ar a agredir um inimigo invisível. Comédia que sempre se lhe perdoa.
Agora, numa atrapalhação acompanhada de gestos espásticos, retira do bolso do casaco uns papéis, finge que procura, finge que lê, finge que hesita, finge que os guarda, finge que se aborrece e o aborrecemos, até que finalmente, sombrio, resmungando, anuncia:
- Fiz isto ontem. A ver o que vocês acham.
"Deixou-me a alegria,
Lentas e amargas são as horas…"
O poema é longo, sobre coisas perdidas, dores passadas, e a voz, ressoando nos graves com ecos de Hamlet, sublinha o que devem ser as passagens de maior tensão.
Quando termina fazemos uns murmúrios de apreço, mas logo de seguida T., insensível, anuncia que vai ser transferido para Macau.
O poeta ensombra, baixa os olhos, reage amuado quando lhe pergunto as razões da sua antipatia pela lírica de Bocage. Depois, fingindo que lhe custa o levantar-se, pigarreia, mete os papéis no bolso, despede-se com um melancólico "Vou andando".

Sabemo-lo desde Pessoa: "O poeta é um fingidor".

segunda-feira, julho 18

O tempo


Seria inexacto dizer que esbanjo o tempo, o perco ou desperdiço. O tempo simplesmente me escapa, foge de mim, atrapalha-me, os meus dias são mais curtos que os de antigamente quando, com sobra de horas, davam para fazer o obrigatório, o legal e o proibido.
Perturba-me não saber onde se mete, ou que razão o leva a tratar-me assim. A ideia que tenho é que ele, como o dinheiro – essa outra dimensão – se diverte com a desigualdade, dando mais a uns que a outros, abonando este com o jackpot, fazendo rugir aquele que nem a terminação recebe.

sábado, julho 16

Cayenne


 
O dinheiro não é tudo, o sentido das proporções não garante boa aparência, comedimento talvez sirva para alguma coisa no outro mundo, que não neste.
Vamos ao caso. No porte são gente de estatura mediana do antigamente, ele e ela à volta do metro e sessenta, ambos pouco abonados de carne, em anos devem estar perto da velhice.
O calor aperta, vestem conforme e à moderna, calças de muitos bolsos, fechos e atilhos, daquelas que deixam à mostra a barriga da perna. Na cabeça bonés de baseball.
Até aqui nada de invulgar, só pitoresco.
Quando deixo a esplanada passam por mim. Entro no carro, ligo o motor, vejo-os desaparecer literalmente num Cayenne que, acaso ou propósito, é da mesma cor bege deslavado da roupa que usam.
Olho no retrovisor e, para meu susto, o monstro dá a impressão de vir vazio. Abrando, ultrapassa-me, a custo distingo nele o cocuruto de dois bonés e dois narizes empinados para que os olhos possam seguir a estrada.