sábado, outubro 29

Vale de lágrimas

Bem gostaria de começar o dia com pensamentos elevados, tomando decisões de monta, ouvindo aquelas vozes interiores que alguns felizes ouvem e lhes sussurram o caminho da importância.
Comigo, infelizmente, mal dou conta de ter acordado e já me lembram a vidraça quebrada, a porta que se desengonçou, o tubo do gás que é preciso substituir, o monte de garrafas a levar para o vidrão, o Milbemax do gato, a avaria da máquina de café, a encomenda do queijo.
Pouco passa das oito e meia e sinto-me primo de Fernão Mendes Pinto, com vontade de bradar também "Pobre de mim!", porque muito cansam as pequenas mas exigentes andanças da lida doméstica.
Invejo os que de manhã à noite se ocupam apenas nas actividades nobres do intelecto, ignorando como se varre um pátio, se despeja o lixo, afia uma faca ou põe de vinha-d'alhos a marrã.
Bem-aventurados esses, que irão do mundo sem saber que estiveram num vale de lágrimas.