sexta-feira, janeiro 6

Sarah

Sarah foi terminante ao vê-lo tirar a chave do bolso. Nada de carro. Era um passeio lindo, no máximo meia hora, saudável, boa oportunidade para estender as pernas. Iriam a pé. Parecia-lhe ridículo aquele hábito de não querer dar um passo.

- É atavismo. Vício dos meus antepassados. Mas não esqueça que durante anos andei no deserto, dias a fio. E acredite: caminhar sobre a areia não se compara ao luxo de uma calçada como esta.
Fizeram o caminho quase em silêncio. Num gesto casual, pouco depois de saírem do portão Jorge tinha-lhe tomado o braço, só o soltando ao entrarem no largo.
- Medo das más-línguas?
- Nenhum. Mais para resguardar a sua reputação.
A penumbra do cubículo onde o cesteiro tinha a loja obrigou-os a deter-se à entrada, o ancião a levantar-se com esforço da esteira onde trabalhava, todo salamaleques.
- Ah! Vem para a cestinha. Muito boas-tardes, senhor conde. Minha senhora. Ora veja! Acabei-a ontem e ficou bonita, não ficou? Se é para dar, é um lindo presente.
Sarah pegou-lhe e aproximou-se da porta para ver melhor, ia mostrar-lha, parou surpresa ao vê-lo já no largo, apressado em direcção ao ajuntamento que se fizera à porta do café, uns aos gritos e empurrões, outros a meter-se de permeio a apaziguar.
- Com licença! - o cesteiro também queria ver, pôs-lhe a mão no braço para que se afastasse.
- De vez em quando é isto! Vêm esses estrangeiros!…Embebedam-se, metem-se com as pessoas!...
Jorge segurava um rapaz loiro, a falar-lhe de modo calmo, enquanto outros continham um aldeão de meia idade, que esperneava aos gritos de “Parto-te os cornos, paneleiro de merda! Filho duma puta! Parto-te os cornos!”
A custo iam-no empurrando para dentro do café, enquanto Jorge acompanhava o rapaz. O outro estrangeiro, um gorducho, óculos pequeninos no rosto balofo, o cabelo ralo a cair-lhe na gola do casaco, caminhava devagar atrás eles, olhando em redor com um modo vago, como que a mostrar que aquilo lhe não dizia respeito.
O rapaz apertou a mão de Jorge e abriu a porta do pequeno Fiat vermelho, o outro fez­-lhe um aceno, entrou com o modo fingido de um idoso que se dobra a custo. O carro deu a volta ao largo e quando passou diante da porta do cesteiro riam ambos às gargalhadas.
- Nada! - respondeu Jorge ao olhar interrogador de Sarah. - Holandeses. Bebem demais e dá-lhes para a asneira. Fora isso têm um humor muito próprio, mas as pessoas são pouco de graças. Pelos jeitos o mais novo queria apostar com o Artur que beijava na boca o primeiro homem que entrasse no café, e o Artur disse-lhe que não apostava, tivesse juízo, ia dar encrenca...
Deteve-se brusco, ao dar conta que o cesteiro escutava, e apontou a cesta que Sarah enfiara no braço:
- Está pronta?
- Falta pagar.
- São só dezoito euros.
O cesteiro fez uma pequena vénia ao receber o dinheiro, seguiu-os com olhar, mordeu os beiços ao ver Sarah passar a porta:
- Grande foda!