terça-feira, junho 12

O Cinquecento

Em Itália, quando na segunda metade dos anos 30 o Partido Comunista e os sindicatos estavam a ganhar influência suficiente para destabilizar a sociedade burguesa, The powers that be – a Santa Madre Igreja, a grande indústria e a banca – excelentes conhecedores do que anseiam os corpos e as almas, deitaram-se a construir bairros operários confortáveis, mas longe das fábricas, o que diminuía a vontade de pertencer a sindicatos e participar em reuniões de contestação. A fase seguinte foi o Fiat 500. Acessível no preço, económico na gasolina,  o trabalhador italiano tomou o gosto de, no fim-de-semana, levar a família para a praia. Adeus Marx, adeus Lenine.
Nos anos 60, e na mesma ordem de ideias, repetiu-se a coisa aqui ao lado, o operário espanhol sentou-se a conduzir o Seat, cópia fiel do Cinquecento, e com o passar das décadas, em ambos esses países os então proletários alcançaram o estatuto e os confortos da classe média.
No nosso Portugal, tradicionalmente débil em agitação social, mas de excelentes relações com o divino, ao findar a década de 80 repetiu-se, como sabemos, o milagre do maná, com que no Egipto o Senhor salvara os judeus.
Não vou repetir a gracinha brasileira de termos caído da palmeira para o volante, mas o português nunca faz as coisas por menos, e ele, que vinha da carroça e dos comboios com terceira classe, tomando grandes ares atirou-se aos BMW, Mercedes, Audi, Range Rover e quejandos.
A que vem o Cinquecento aqui chamado?
Já lho digo. São umas frases que com frequência oiço. "Isto já não é o que eles julgam! Já não é como antigamente! Isto mudou!"
Mas infelizmente tudo está na mesma e continuamos como somos, sonhadores da Fórmula 1. Nada de vagares, esperas, nada de desenvolvimento ordenado e pensado. O miúdo quer logo o brinquedo e nenhum Cinquecento o consola ou lhe serve. Venha o Ferrari, senão chora.
“Isto já não é o que eles julgam! Já não é como antigamente! Isto mudou!"
Será que mudou porque o sonho se foi?