quarta-feira, janeiro 2

O Vampiro de Curitiba


Comecei bem o ano e dando-me conta de que a surdez é incómodo, mas também benefício. Enquanto à meia-noite tudo eram berros, foguetes e descargas de escopeta, estava eu no quente, a reler consolado O Vampiro de Curitiba.
A primeira leitura, há quarenta e pico anos, deixou impressão forte. A de agora, à luz de mais quatro décadas de vivências, tocou a campainha de alarme e, pudesse eu, saía à rua com um cartaz: Proíbam este livro a menores de quarenta anos!
De momento não recordo personagem que nas muitas e complicadas andanças do sexo, do desejo, da luxúria, do desencanto pré e pós-coital, alcance a triste e trágica comicidade de Nelsinho.
Ele é todos nós, os que viemos depois de Adão e os que nos sucederem. Ele é o que vai para a cama nu, mas ainda com as peúgas e os sapatos. Depois, "Sentado, deixou-se abraçar pela velha; foi beijar a bochecha rechonchuda e arrepiou caminho – uma grossa verruga no queixo, três cabelos crespos que nem mola de relógio".
Nelsinho, pobre Nelsinho, retrato de tanta paixão imerecida, das más horas que deixam cicatrizes - " riscou-lhe nas costas a unha afiada – a do mindinho mais longa" - dos dolorosos  e inesquecíveis diálogos  que atormentam a vida inteira.
"Bem o marido tinha razão: a maravilhosa roupa de baixo - sedas e rendas! Aos beijos de pé. Aos beijos, sentados no sofá. Deitados no tapete, rolando.
- Quer que morda ou beije?
- Sim.
- Beije ou morda?
- Sim. Ai, sim. Ai. Sim.
- Abra o olho.
- …
- Gema comigo, anjo. Agora.
O herói gemeu. Ela o acompanhou em tom mais baixo."
- Ai, ai. Eu morro.

A sério: proíbam a leitura de Trevisan a menores de quarenta anos. Homens ou mulheres.