quarta-feira, fevereiro 27

Inimizades involuntárias


Por um nada se criam. Uma pisadela distraída no calo pequenino, mas em extremo sensível;  uma alusão feita por gracejo e tomada por grave insulto; fala-se dum caso, consideram-no eles venenosa indirecta. É a conversa sobre mulheres? Há que dobrar o cuidado, pois logo as antenas afinam a sensibilidade. E o mesmo vale para a prole e a parentela: uma frase à toa, um dito inocente, pronto se ganham inimigos da Classe A, os  mais perigosos: os que não o mostram e continuam a sorrir.
Deus nos guarde desses, que os outros facilmente se detectam e o desdém os neutraliza.

domingo, fevereiro 24

Perigo de contágio

Pode ser da desagradável mistura de chuva, neve e vento que há dois dias aflige. Pode ser da idade, do cinzento do céu, ou porque um domingo assim tira a esperança de que venha melhor tempo e o Sol continue a brilhar. Seja essa a causa, resulte das químicas do corpo ou da fraqueza das ondas cerebrais, o certo é que "estou em baixo".
Dou uma vista de olhos aos jornais, bocejo. Percorro os blogues, idem. Ligo a televisão e às primeiras imagens dá-me ideia que são as de trasantontem. Apago. Os livros que leio à vez, uns quatro, só falam de desastres, guerras, abandonos, misérias e fracos prenúncios.
Atente você: ontem não estive por cá, e hoje seria melhor não ter vindo, porque o tédio é como a sarna: pega-se.
Diga adeus, antes que seja tarde.

sexta-feira, fevereiro 22

Que outros o digam


(Clique para aumentar)
"Durante longo tempo cuidou o escritor luso-holandês José Rentes de Carvalho da imagem de Portugal na Holanda.
Dezenas de milhar de holandeses visitaram Portugal com os seus guias e tendo lido os seus romances. Mas no seu nativo Portugal poucos sabiam da sua existência. Até recentemente."

quarta-feira, fevereiro 20

Colónia

Li-o em 1987 e tinha anotado ambas as frases. Agora, recordando que há tantos séculos também somos "colónia" de poderes e interesses vários, mais penoso se me torna o significado:

"Again and again one comes back to the main, degrading fact of the colonial society; it never required efficiency , it never required quality, and these things, because unrequired,  became undesirable."
(Retornamos continuamente ao principal e degradante facto da sociedade colonial; nunca teve necessidade de eficiência; nunca teve necessidade de qualidade, e ao serem tomados por  desnecessários, esses elementos tornaram-se indesejáveis.)

"Modernity in Trinidad, then, turns out to be the extreme susceptibility of people who are unsure of themselves and, having no taste or style of their own, are eager for instruction."
(Em Trinidad, então, a modernidade  mostra ser a susceptibilidade  extrema de pessoas que, inseguras de quem são, e destituídas de gosto ou estilo próprio, anseiam que se lhes diga como deve ser.)

terça-feira, fevereiro 19

Avarias


É uma avaria de nada na iluminação da cozinha, mas por mais voltas que dê não consigo descobrir a falha, de modo que terá de vir quem entenda da coisa.
Esse desarranjo corriqueiro leva-me a uma triste conclusão: do que me ensinaram, e daquilo que fui aprendendo, nada tem utilidade prática. O mais pequeno transtorno prova abonde – diria  José Quitério – a fragilidade em que vive aquele que sabe alguma coisa das Letras, mas é ignaro dos rudimentos técnicos necessários para manter uma casa a funcionar.
Em Amsterdam ainda me salvo, um telefonema resolve tudo, mas chegando à aldeia, os roncos da caldeira do aquecimento, o gorgolejar da água na canalização, as torneiras que pingam, o reboco que despega, os interruptores que chispam, todos esses fenómenos os encaro eu como outras tantas ameaças à minha paz e o equivalente dos zeros que levei em matemática.
Sofro com isso, e não pouco. E também de ter nascido duplamente canhoto, quando uma mão direita capaz de funcionar me daria jeito.

segunda-feira, fevereiro 18

A cor de quem manda


Nada vale tanto como a boa organização, e por vezes pouco a ultrapassa em cómico.
Assim, no governo da senhora Merckel só ela e Wolfgang Schäuble, o ministro das Finanças, podem (devem) escrever com tinta ou lápis verde.
Daí para baixo tem cada manda-chuva a sua cor, e os escribas no fundo da escala usam tinta castanha, acrescentando à rubrica uma "marca" pessoal.
Assim se evitam confusões de poderio, e com uma simples olhadela se sabe quem teve a papelada na mão. Interessante é notar que esse pitoresco sistema data do tempo da burocracia prussiana e foi também utilizado na DDR. Confirma-se, pois, que aos maus regimes não faltam coisas boas.

domingo, fevereiro 17

Mudras e a ampulheta da alimentação


Olhe bem para a imagem: é uma das mudras (posições do corpo) que, tal como o pára-raios atrai a faísca, faz o corpo receber energia cósmica e as outras energias que andam por aí à solta, e as quais, uma vez captadas, fazem bem a tudo, das funções do cérebro aos baixos movimentos do intestino.
Vem isto a propósito do De Voedsel Zandloper - (A Ampulheta da Alimentação) livro de dietas de um jovem clínico belga, que quer reduzir drasticamente o que comemos. Êxito provado, pois nos passados doze meses foram dezoito as edições.
Imagine: jura ele que, para nosso bem, de carne só deve comer o que couber entre o polegar e o indicador. Uma vez por semana. E o volume de alimentos de um bom almoço ou jantar não deve exceder o de uma mão-cheia.
Por culpa do rapaz há escassez de nozes no supermercado – é preciso comê-las, e muitas, todos os dias. De verduras, pelos menos meio quilo. De frutas um cesto, água que baste, e daqueles chás exóticos que, só de vê-los já um cristão se agonia. Ao levantar toca a comer nozes e a preparar um sumo de cenoura, alface, espinafres e maçã. Açúcar? Zero. Sal? Idem zero.
Aumentará isto a alegria de viver?