sábado, setembro 21

Actor me criei



Logo a desacertar, actor me criei, modo de fugir ao que para mim avançava, corpos, rostos fechados, ameaçadores, prontos a esmagar. Dois palmos se tanto, sofrido de medo e já certo que vida era guerra, o teatro um escape, saber-me de poucas forças um revés.
Meia dúzia de passos o caminho andado, léguas pela frente, anos, eternidades. No sangue a intuição de perda, vinda do mais escuro do tempo, sabe Deus que mágoas dos que passaram sem deixar nome ou pegada, iguais aos bichos, como eles apodrecendo em campa rasa, lembrados por um jeito ou remoque, pronto esquecidos na segunda geração.
Silhuetas apenas, desfilam no contraluz, de espessura e aspecto têm o que lhes empresto na fantasia, e um pouco, talvez, do que guardei por ter ouvido, desde o começo a querer resgatá-los do esquecimento.
Mas os outros? Quem são? Donde vêm os que sem hora nem aviso me assaltam e molestam? Que razões têm, que as não descubro? A alguns deles nem sequer conheço, ou sim, mas provavelmente são os que enterrei fundo no esquecimento, a vala comum dos amores traídos, das amizades findas, das derrotas, traições e ignomínias a que o viver obriga, mesmo quando a decência é o norte.