quarta-feira, janeiro 7

Quando a má sorte carrega a dose

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Vamos repetir o estribilho de que a realidade ultrapassa a ficção e, uma vez mais, mencionar as enxaquecas de que sofre o comum dos escritores em busca de enredo que lhe permita escrever o sonhado bestseller e escapar de vez ao martírio de uma inspiração que demora, e as mais vezes nunca chega.
O dia-a-dia, esse não sofre de writer's block, enredos e peripécias tem de sobra. Conte-se então o caso verídico e, pelo que sei, neste momento ainda sem desenlace.
Pai, mãe, duas raparigas ainda nos vinte, boa gente, vivendo nas alturas confortáveis em que os problemas de dinheiro se limitam ao aborrecimento muito relativo das flutuações da Bolsa, já que a base iguala a solidez das pirâmides do Egipto.
O combinado era passarem o Natal no apartamento que têm em Paris, pelo que a mãe e a filha mais nova saíram de Amsterdam na semana anterior. A má sorte fez a sua entrada quando já tinham passado Arras e, sem explicação plausível, o carro se despistou matando a mãe.
A filha escapou com ligeiros ferimentos, mas facilmente se imagina o ambiente em que passaram o Natal.
A 26 de Dezembro a má sorte voltou. A filha mais velha recebeu o resultado do diagnóstico que aguardava: no ponto em que se encontra a doença que lhe constataram terá de ser submetida a uma transplantação de células-tronco. O doador mais indicado é o pai.
Só ele, pobre e desesperado amigo, sabe que dentro em breve, imparável, a má sorte de novo lhes vai bater à porta quando se negar a ser o doador de que a filha precisa, e tiver então de confessar que nenhuma delas lhe pertence, ambas geradas por alguém que desconhece e com quem a mãe o enganou.
O enterro está marcado para de amanhã a oito.