quarta-feira, outubro 7

O princípio

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Confidência para os jovens colegas, os candidatos a escritor e aqueles que sonham "começar um dia destes a escrever um romance":
Há um tempo – não vou dizer quanto, para não correr o risco de que pensem que exagero – que tento escrever um novo romance. De modo geral, embora ainda confuso e sujeito a toda a sorte de mudanças, já tenho o arcaboiço. Tenho também uma ou outra cena, diálogos, descrições disto, daquilo, ambientes, o todo um tanto confuso e ainda sujeito a variações bruscas.
Como não tomo notas nem faço esquemas, o processo mental é cansativo, demorado, caótico, tem alguma semelhança com o assistir em desordem, e por vezes em simultâneo, a cenas de vários filmes. Porque assim é, e ao fim de muitos meses ou anos resulta em obra acabada, continua a surpreender-me.
Em aparência, pois, o grosso do trabalho está feito. Falta-me, contudo, o essencial e primordial começo, a frase, o momento indispensável para "agarrar" a atenção do leitor, surpreendê-lo de modo a que se entusiasme e ganhe interesse pelo que lê.
Tenho a cena de um homem com uma carabina apoiada no rebordo da janela. Aponta, regula as linhas do visor até que o cruzamento se faz na imagem da cabeça do que vai ser vítima. Mas irá disparar e matar? Hesita ainda? A mulher entra, interrompe-o, fá-lo mudar de ideia? A mulher estaca e tapa os ouvidos à espera do disparo?
A primeira cena, as frases iniciais: esse é o grande bico de obra.
………..

PS. Em The Postman Always Rings Twice James M. Cain escreve um começo de  simplicidade genial: "They threw me off the hay truck about noon. I had swung the night before, down at the border, and as soon as I got up there under the canvas, I went to sleep."