segunda-feira, agosto 7

Umas férias inesquecíveis

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Temos de nos encontrar, diz ele ao telefone, porque é urgente tratarmos do assunto, não vá o advogado mudar de ideias e fazer com que a coisa se arraste ainda mais.
Mas dado o aperto de mão e pedido o café, ele parece ter esquecido a urgência do encontro e, de certo modo, ter também esquecido a minha presença, porque saca do telemóvel, com um dedo nervoso faz deslisar fotografias no ecrã.
- Chegámos ontem!
- Não sabia que tinha ido de férias. Conte. Outra vez na Sicília?
- Sim, e em Malta. Um bocado desagradável com os refugiados. Também demos uma volta pela Tunísia. Monastir, Sousse.
- Mas não é perigoso?
 - Já não. Está tudo calmo. Depois estivemos em Alanya.
- Onde é isso?
- Na Riviera turca.
- Muitos alemães?
- Não. Muitos russos.
- Do tipo bruto?
- Alguns. Mas foram umas férias inesquecíveis.  Três semana incomparáveis. Ainda melhores do que as do ano passado, quando estivemos em Chipre e Israel. Então visitámos uns quantos museus, o Muro das Lamentações, o Santo Sepulcro. Agora também vimos imensas coisas, encontrámos gente interessante, bons contactos, por acaso uns noruegueses que nos convidaram a irmos lá no Verão. Acho que vamos aproveitar, porque da Escandinávia conhecemos muito pouco.
Põe o iPhone na mesa para que eu veja, mas com a quantidade de imagens e o entusiasmo com que pede atenção para isto e aquilo, só distingo ruas, multidões, um cruzeiro no porto de Valletta.

Fica o assunto por ali e passamos ao que nos trouxe, mas quando ele se despede perco-me a  magicar como na minha recordação não tenho férias inesquecíveis, apenas férias com  momentos felizes, e se isso será culpa do meu pessimismo ou de outra percepção da realidade.
Facto é que também eu gostaria de recordar férias que de princípio a fim fossem excepcionais. Sem suor nem multidões, sem roubalheiras, sem atrasos. Esquecendo a ganância das lojas de souvenirs, o aborrecimento nos restaurantes, os enganos, a barulheira, os atrasos, as pequenas trafulhices, e as grandes. A asfixia de seis noites de um Verão em Bilbau, num quarto de hotel com vista para um muro. Doze euros, doze, por uma garrafa de água na esplanada do Fouquet’s nos Champs-Elysées. O relógio que sumiu, a tourada no bufete do pequeno almoço, a  jovem mãe com um miúdo em cada braço, o pai com outros dois, um quarteto de berros. As bichas para o museu, para o santuário no monte, para o autocarro, para a ruína histórica. Sol de meio-dia, trinta e nove centígrados, azedia no estômago, pernas inchadas, pés doridos.
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Publicado na DOMINGO CM